03/04/21

Aos pedaços me despeço

Me roubaram o sonho,

O entusiasmo

E o nome intransferível.


Me cortaram as asas no percurso do voo

e o céu despencou em chuva de choro.


Minha língua expele amargura.

Não há beijo com paladar que me beije,

não há carinho mais marcante que as pedras sobre minha cabeça,

não há corpo macio que meus ossos possam repousar.


Minha salvação não vale os meus amores

e as injustiças não merecem minha salvação.


Me tiraram o direito da morte,

Porque em meu nome não há terra para que me cubram.


O que podia ser salvo fracionei entre os pedintes.

E o restante de meu tempo

Meu sangue

Minha carne

Apodrecem de dentro pra fora e até o odor se abstém de mim.


Ceifaram tudo,

Meu descanso em paz.


Há tempo que o luto tem a chave de casa

e ensaia a cerimônia triunfal. 

Apetite

(Para ler no contexto da sua fome)


Comi, sem performar feminilidade

agonizando a miséria, deixando-a sem abrigo

faminta como o ímpeto de um novo rico

Bebi, até que, o que jorrava passou a gotejar

e nada comprometeu a minha consciência

Valeu cada caloria.

Dignidade aos Desgraçados

(...)

Pouco importa a origem do teu nome,

Me basta que saiba, quando é a ti quem chamo.


Te escolheria até se a sua própria consciência fosse crime,

Por que é no calor da amizade que se descobre(1) humano.


O produto de ter que suportar os espetáculos dos males, 

não precisa ser a morte ou o desdesejo da vida. 

É que.... talvez...

A vida não pudesse ser compreendida 

Se não vi(ve)ssemos tudo que dela se pode decorrer.


(1) Descobrir-se humano é admitir as fragilidades da condição do "ser" e compreender a consciência do "dever ser" — uma vez que compartilhamos espaço com o 'além de nós' —, em face das manifestações de todos os sentimentos e até dos desejos e instintos mais perversos.

Eu poeta, você poesia?

Eu poeta, você poesia?

Se eu te escrevesse na janela do carro com hora marcada no lava-rápido,

na areia da calçada a ser pisoteada,

na folha que a gordura do pão se espalha,

no jornal com uma notícia direta da sucursal do inferno?


Eu poeta, você poesia?

Se eu te prendesse dentro do fogo,

num labirinto sem fuga,

à uma conta com milhões amaldiçoados?


Vivendo saudade, te libertaria pra voltar

Na solidão, desistiria de querer te despertar?


Você, poesia?

Nem se tivesse a graça de nascer nas cordas vocais de Maria Bethânia.

Mariposa-atlas



Capturas de tela: A Terra à noite in Netflix. 

As mariposas-atlas fêmeas, liberam uma substância chamada feromônio (substância biologicamente ativa, secretada por insetos e mamíferos, com funções de ‘atração sexual’ e comunicação...). 


O macho é atraído pelo cheiro que infesta os ares da floresta, através das suas antenas olfativas extremamente sensíveis, e se põe a voar em zig-zag por vários quilômetros durante uma única noite, em busca da sua única chance de acasalar. 


Ele a encontra. Mas o preço do acasalamento, o último ato de sua vida, é a morte, pois consumiu toda sua energia no voo, atingindo a exaustão.


Seu corpo se liberta do corpo da mariposa-atlas fêmea, caindo em direção ao solo, como quando o vento despetala uma flor.

02/04/21

A tua parte que me escapa

  A fala que levou tempo sendo talhada no silêncio, agora naufraga na tua garganta.

Metamorfose e a volta...

Resgatando o espaço que começou em 2014. Perderam-se muitas coisas, de lá até aqui. Mais uma retomada a começar - o que significa um tanto de conteúdo a ser trazido para aqui.