09/04/21
Infelicidade exposta a visitação pública
03/04/21
As rimas
Toda vez que uma rima vem chegando mais perto do final do meu verso, mudo de caminho.
Que eu não gosto de despertar a expectativa nas frases anteriores, de que elas sempre terão um par. Que nem sempre estaremos cantando juntos, sons idênticos ou semelhantes. Nem mesmo todas as vezes encontraremos timbres que se parecem com o nosso.
À quem depende das rimas, há uma pequena tragédia no final de cada verso meu.
Memorandos de uma terra distante
São só memorandos
De uma terra distante,
De punhos fatigados do combate,
De uma mente no meio do delírio da percepção.
Queria te escrever que descobri algumas verdades fundamentais sobre a realidade
Que depois disso,
aceito o estado morno das coisas,
dos humores,
dos humanos.
Que o frio e o quente são extremos exigentes demais para serem constantes!
Só memorandos...
Onde os arranhões das palavras às folhas
Contam mais, do que eu a você.
No livro de alguém eu fui vilão
Por trás dessa minha parcialidade com os fatos que compõem a minha narrativa preferida, existe uma memória viva de todo o meu fracasso, de quando matutava que o "controle de armas significava usar as duas mãos". No livro de alguém eu fui vilão.
*Interprete-se, em armas: toda espécie; em mãos: qualquer algo capaz de contenção.
Viver, amar, curar e prosperar
Nascer e crescer. Inapelavelmente perdida.
Amar. Pois tudo que está vivo, sem amor, definha.
Construir. Aninhar-se e vê-lo desmoronar um pouco mais a cada inverno.
Alcançar a maturidade.
Desencarnar. Como um inseto metamórfico, num drama temporal: velha numa cama quentinha.
Heróis desconhecidos
Quero glórias maiores que os nossos corpos confusamente misturados, qual mal se pode distinguir o que são os nossos caules ou raízes.
Apesar do mundo que dói, fere e machuca, quero gerar todos os filhos que pudermos ter e nutrir a esperança de que quando saírem da pupa - e mesmo antes - tornarão o planeta mais habitável.
Camisa 10
Te quero ver dono da roseira em primavera
Se alimentando do prato que te sacia
Ganhando todos os bilhetes da rifa, de uma vez.
Eleja-me presidenta do teu fã clube?
Que é que sei sobre domínio?
Quero chegar numa manhã dessas
Que amanhecendo um qualquer
Entardecerás com a convicção de que és amado
E pela noite declararás que estás sob nova direção.
Que é que sei sobre domínio?
Glória e castigo
Se a vida fosse mais coerente
Desisto fácil
Desisto da caneca de chá quando esfria, ainda que minha garganta tenha a façanha de poder reaquecê-lo.
Da morte! Quando me ocorre que pouco cabe no seu leito estreito.
Queria poder carregar no ouvido a canção que insiste em me esperançar.
Desisto de debates que ameaçam rasgos fundos, os quais nenhum ser vivo merece.
Você nem sabe! Desisti de te falar, quando não fez da minha notícia, evento único…
Monólogo da Esperança II
Eu moro onde não mora ninguém
Onde a ordem de despejo não chega,
pois não há o que se requerer
Eu moro no suor que resiste e não morre na trama do tecido
Onde o relógio só tem o ponteiro dos minutos
Na resistência da erva que nasce nos rasgos do asfalto
Na artéria entupida esmagando o fluxo sanguíneo
Moro nos arrepios e nas rendições aos tesões
Nas mão que curam, ensinam, fundem,
que pavimentam caminhos e edificam pontes
Eu moro na solidão e no coro dos contentes
Na cicatrização da ferida
Moro na utopia que passa pela sua língua e atravessa os seus lábios
No batuque solitário do seu coração
Moro nas dores do ventre que parirá um filho
Eu nasço na coragem
Eu cresço na falta da liberdade
Nas rugas e fugas, nas voltas e revoltas.
Monólogo da Esperança I
Você é o complexo que espero compreender, nem que seja na efemeridade duma noite de sábado que te faltar o juízo.
Morrer ou matar? (Poeta de um poema só)
Outro dia li um poeta que descarregou as balas todas num poema só
Sentenciou a tinta a secar ao final do último verso.
Poderia ter dormido pela metade do texto
Mas é preciso ter coragem pra tomar para si o descanso da mente sobre uma mira revoltada.
Aos pedaços me despeço
Me roubaram o sonho,
O entusiasmo
E o nome intransferível.
Me cortaram as asas no percurso do voo
e o céu despencou em chuva de choro.
Minha língua expele amargura.
Não há beijo com paladar que me beije,
não há carinho mais marcante que as pedras sobre minha cabeça,
não há corpo macio que meus ossos possam repousar.
Minha salvação não vale os meus amores
e as injustiças não merecem minha salvação.
Me tiraram o direito da morte,
Porque em meu nome não há terra para que me cubram.
O que podia ser salvo fracionei entre os pedintes.
E o restante de meu tempo
Meu sangue
Minha carne
Apodrecem de dentro pra fora e até o odor se abstém de mim.
Ceifaram tudo,
Meu descanso em paz.
Há tempo que o luto tem a chave de casa
e ensaia a cerimônia triunfal.
Apetite
(Para ler no contexto da sua fome)
Comi, sem performar feminilidade
agonizando a miséria, deixando-a sem abrigo
faminta como o ímpeto de um novo rico
Bebi, até que, o que jorrava passou a gotejar
e nada comprometeu a minha consciência
Valeu cada caloria.
Dignidade aos Desgraçados
(...)
Pouco importa a origem do teu nome,
Me basta que saiba, quando é a ti quem chamo.
Te escolheria até se a sua própria consciência fosse crime,
Por que é no calor da amizade que se descobre(1) humano.
O produto de ter que suportar os espetáculos dos males,
não precisa ser a morte ou o desdesejo da vida.
É que.... talvez...
A vida não pudesse ser compreendida
Se não vi(ve)ssemos tudo que dela se pode decorrer.
(1) Descobrir-se humano é admitir as fragilidades da condição do "ser" e compreender a consciência do "dever ser" — uma vez que compartilhamos espaço com o 'além de nós' —, em face das manifestações de todos os sentimentos e até dos desejos e instintos mais perversos.
Eu poeta, você poesia?
Eu poeta, você poesia?
Se eu te escrevesse na janela do carro com hora marcada no lava-rápido,
na areia da calçada a ser pisoteada,
na folha que a gordura do pão se espalha,
no jornal com uma notícia direta da sucursal do inferno?
Eu poeta, você poesia?
Se eu te prendesse dentro do fogo,
num labirinto sem fuga,
à uma conta com milhões amaldiçoados?
Vivendo saudade, te libertaria pra voltar
Na solidão, desistiria de querer te despertar?
Você, poesia?
Nem se tivesse a graça de nascer nas cordas vocais de Maria Bethânia.
Mariposa-atlas
As mariposas-atlas fêmeas, liberam uma substância chamada feromônio (substância biologicamente ativa, secretada por insetos e mamíferos, com funções de ‘atração sexual’ e comunicação...).
O macho é atraído pelo cheiro que infesta os ares da floresta, através das suas antenas olfativas extremamente sensíveis, e se põe a voar em zig-zag por vários quilômetros durante uma única noite, em busca da sua única chance de acasalar.
Ele a encontra. Mas o preço do acasalamento, o último ato de sua vida, é a morte, pois consumiu toda sua energia no voo, atingindo a exaustão.
Seu corpo se liberta do corpo da mariposa-atlas fêmea, caindo em direção ao solo, como quando o vento despetala uma flor.
02/04/21
A tua parte que me escapa
A fala que levou tempo sendo talhada no silêncio, agora naufraga na tua garganta.
Metamorfose e a volta...
Resgatando o espaço que começou em 2014. Perderam-se muitas coisas, de lá até aqui. Mais uma retomada a começar - o que significa um tanto de conteúdo a ser trazido para aqui.