13/10/19

Poema mesquinho

Se estivesse aqui pelo meu cacife…
Nem estaria.

Minha oferta é insípida, obsoleta, áspera, minguada, precária, acuada…

Espero que me entregue o resto dos seus desejos frustrados,
A sua parte que bra da, clandestina,

                      injustiçada,

mendiga, cética, encardida, magoada…
Que se eu fizer mal uso e levá-las à destruição, será gentileza.

Mas, se me deseja com o mesmo sabor que saliva os seus sonhos,
será ao próprio risco.
Pois, por essa aflição heroica,
não haverá prêmio de consolação. 

17/03/19

23/12/18

O amor é tão atemorizante quanto a morte

De onde estou, por entre as frestas dos rostos jovens e macios, te vejo quase imóvel com um semblante indistinguível. Há tanto que pode ter te enfadado, que talvez agora seja dono de um coração vazio. Eu, quando estive com saúde, aboli aos pedidos de absolvição dos meus próprios pecados, para pedir que sua pele fosse endurecida para que sozinho pudesse se fazer multidão, quando preciso.

05/06/18

Sangue do sangue do sangue

Meu avô casou com a prima, que é minha vó, esposa e prima. O irmão do meu avô casou com a prima, que é prima e cunhada do meu avô. O primo do meu avô casou com a irmã do meu avô, que é primo e cunhado do meu avô. Meu pai e meus tios são sangue do sangue. Eu, meus irmãos e meus primos somos sangue do sangue do sangue.

Minha avó conta que "muitos homens brancos a queria" - cof! -, mas se casou com meu avô: trabalhador rural, pobre e preto.

Seria a época de mulheres pretas agorafóbicas, que os homens da família, por caridade, tiveram que casar-se com elas?

Meu avô era um homem de sangue bom que não valia menos que qual fosse o homem branco.

Brasil republicano-ex-monárquico, a terra que enriqueceu barões cafeicultores - fruto originário da Etiópia - com mão de obra escrava africana.

Mas, moça com pele cor-de-café torrado não é bonita. Moço com pele cor-de-café torrado não é bom.

Gente preta é preterida desde o pretérito.

01/05/18

"Soneto LXXXVIII"

"Quando me tratas mau e, desprezado,
Sinto que o meu valor vês com desdém,
Lutando contra mim, fico a teu lado
E, inda perjuro, provo que és um bem.

Conhecendo melhor meus próprios erros,
A te apoiar te ponho a par da história
De ocultas faltas, onde estou enfermo;
Então, ao me perder, tens toda a glória.

Mas lucro também tiro desse ofício:
Curvando sobre ti amor tamanho,
Mal que me faço me traz benefício,

Pois o que ganhas duas vezes ganho.
Assim é o meu amor e a ti o reporto:
Por ti todas as culpas eu suporto."

William Shakespeare

04/02/18

"Quando o amor vacila"

"Eu sei que atrás deste universo de aparências,
das diferenças todas,
a esperança é preservada.

Nas xícaras sujas de ontem
o café de cada manhã é servido.
Mas existe uma palavra que não suporto ouvir,
e dela não me conformo.

Eu acredito em tudo,
mas eu quero você agora.

Eu te amo pelas tuas faltas,
pelo teu corpo marcado,
pelas tuas cicatrizes,
pelas tuas loucuras todas, minha vida.

Eu amo as tuas mãos,
mesmo que por causa delas
eu não saiba o que fazer das minhas.

Amo teu jogo triste.

As tuas roupas sujas
é aqui em casa que eu lavo.

Eu amo a tua alegria.

Mesmo fora de si,
eu te amo pela tua essência.
Até pelo que você poderia ter sido,
se a maré das circunstâncias
não tivesse te banhado
nas águas do equívoco.

Eu te amo nas horas infernais
e na vida sem tempo, quando,
sozinha, bordo mais uma toalha
de fim de semana.

Eu te amo pelas crianças e futuras rugas.

Eu te amo pelas tuas ilusões perdidas
e pelos teus sonhos inúteis.

Amo teu sistema de vida e morte.

Eu te amo pelas tuas entradas,
saídas e bandeiras.

Eu te amo desde os teus pés
até o que te escapa.

Eu te amo de alma para alma.
E mais que as palavras,
ainda que seja através delas
que eu me defendo,
quando digo que te amo
mais que o silêncio dos momentos difíceis,
quando o próprio amor
vacila."

02/02/18

De um sucesso só

Se arquiteta de um sucesso só
Se silenciarem minhas outras obras,
Ao menos esta será coletivamente próspera.

Aberturas amplas,
Peitoris baixos,
para não haver engano
se necessário
confessar que não sente o que não sente,
se necessário
contrariar João-de-Barro.

Desentendido, nos peitoris baixos,
sentará João
e deixará que o vento enxugue-lhe as lágrimas.

Se arquiteta de um sucesso só
Se silenciarem minhas outras obras,
Que esta resista ao tremor da saudade.

Lembrarei dos quartos de refúgio,
do piso quente
e das rotas alternativas para a solidão.

João, Maria
Sentenciados à liberdade,
sobrevoarão a cidade
opostos,
expostos 
e suscetíveis a outros amores.